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sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

A hipocrisia dos poderosos

Chora por Mandela, mas acha um absurdo pobre querer os mesmos direitos

Por Leonardo Sakamoto

Precisamos de mais pessoas como Mandela.

Pessoas que são capazes de usar a força quando necessário e adotar uma atitude conciliadora quando preciso. Mas que não descartam qualquer uma das duas acões políticas.

Por conta da morte de Mandela, estamos sendo soterrados por reportagens que louvam apenas um desses lados e esquecem o outro, como se as folhas de uma árvore existissem sem o seu tronco e os galhos. O apartheid não morreu apenas por conta do sorriso bonito e das falas carismáticas do líder sul-africano, mas por décadas de luta firme contra a segregação coordenada por uma resistência que ele ajudou a estruturar.

É fascinante como regimes execrados pelo Ocidente foram, muitas vezes, os únicos que estenderam a mão a Mandela e à luta contra o apartheid. E como, décadas depois, muitos países prestam suas homenagens a ele, sem um mísero mea culpa por seu papel covarde durante sua prisão. Ou, pior: como veículos de comunicação desse mesmo Ocidente ignoram a complexidade da luta de Mandela, defendendo que o pacifismo foi o seu caminho.

Desculpem, mas a necessária conciliação para curar feridas ou a tolerância são diferentes de injustiça. E ser pacifista não significa morrer em silêncio, em paz, de fome ou baioneta. A desobediência civil professada por Gandhi é uma saída, mas não a única e nem cabe em todas as situações em que um grupo de pessoas é aviltado por outro.

Eu celebrei a ideia de uma sociedade livre e democrática, na qual todas as pessoas vivam juntas em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal pelo qual espero viver e o qual espero alcançar. Mas, se for necessário, é um ideal pelo qual estou pronto para morrer'', disse ele, ao ser condenado a 27 anos de prisão.

As histórias das lutas sociais ao redor do mundo são porcamente ensinadas. Ao ler o que os jovens aprendem nas carteiras escolares ou no conteúdo trazido por nós jornalistas, fico com a impressão que a descolonização da Índia, o fim do apartheid na África do Sul ou a independência de Timor Leste foram obtidas apenas através de longas discussões regadas a chá e um pouco de desobediência. Dessa forma, a interpretação dos fatos, passada adiante, segue satisfatória aos grupos no poder.

Muitos que hoje lamentam por Mandela detestam manifestações públicas e mudanças no status quo.

Adoram um revolucionário quando este é reconhecido internacionalmente e aparece em estampas de camisetas, mas repudiam quem ocupa propriedades, por exemplo, “impedindo o progresso''.

Leio reclamações da violência de protestos quando estes vêm dos mais pobres entre os mais pobres – “um estupro à legalidade” – feitas por uma legião de pés-descalços empunhando armas de destruição em massa, como enxadas, foices e facões. Ou contra povos indígenas, cansados de passar fome e frio, reivindicando territórios que historicamente foram deles, na maioria das vezes com flechas, enxadas e paciência. Ou ainda professores que exigem melhores salários e resolvem ir às ruas para mostrar sua indignação e pressionar para que o poder público mude o comportamento. Todos eles são uns vândalos.

Daí, essa pessoa que ama Mandela, mas não sabe quem ele é, pensa: poxa, por que essa gente maltrapilha simplesmente não sofre em silêncio, né?

Muitas das leis criticadas em protestos e ocupações de terra ou mesmo no apartheid não foram criadas pelos que sofrem em decorrência de injustiça social, mas sim por aqueles que estavam ou estão na raiz do problema e defendem regras para que tudo fique como está. Nem sempre a legalidade é justa. E essa frase assusta muita gente.

Mandela é a inspiração. Com ele, é possível acreditar que manifestações populares e ocupações resultem nos pequenos vencendo os grandes. E, com o tempo, os rotos e rasgados sendo capazes de sobrepujar ricos e poderosos.

Por isso, o desespero inconsciente presente em muitas reclamações sobre a violência inerente ou involuntária desses atos. Ou na tentativa de reescrever a história editando aquilo que não interessa.

Enquanto isso, mais um indígena foi morto no Mato Grosso do Sul. Mas tudo bem. Devia ser apenas mais um vândalo, não um homem de bem como Mandela.

Enfim, precisamos de mais pessoas como Mandela. Pois os bons do século 20 estão morrendo antes que realmente entendamos suas mensagens.
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3 comentários:

Rita de Cassia disse...

É assim, todos passam a amar e idolatrar o morto. Mesmo os que nunca apoiaram suas idéias.

Anônimo disse...

Um lutador..

Rosangela disse...

Eu gostei muito da sua postagem, sobre Nelson Mandela,principalmente porque ele foi exemplo raro de como um verdadeiro Líder deve agir,inteligente, astuto, estratégico ,diplomático e firme em assumir posições,literalmente sem medo de ser feliz...Eu particularmente o admirava muito, por várias vezes acompanhava noticias na mídia,durante seu exílio, doença na prisão em fim tudo que o cercava, foi um Ícone que valeu a pena acompanhar sua trajetória. Lamentavelmente a hipocrisia não ficou apenas por conta dos poderosos,Não!Ela foi descortinada pela imprensa mundial escrita e falada durante a sua jornada o próprio povo negro dividiu-se entre os que tinham situação um pouco melhor em relação à massa mais pobre estes se escondiam, até criticavam as atitudes do grande Líder e quando este se foi, dividiam a tapas lugar junto ao povo para representar "DOR". Já no final da matéria, quando você sutilmente lamenta a esca
cês de Líderes deste quilate digo o seguinte" Não se pode sonhar só, há que saber construir relacionamentos sólidos ,leais que vinguem e sobrevivam a qualquer tempo,pois durante a luta este sonho pode virar pesadelo, é muito triste,acordar e não ter com quem contar!Lamento profundamente que ele se foi,por outro lado todo o soldado valente uma hora tem que descansar e ele merece descansar lindamente nas páginas da história, detentor de vida ilibada, motivo de grande orgulho para seus filhos sem dúvida alguma.

Rosângela.