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sábado, 1 de abril de 2023

Paredão do Seu Basílio

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Era para eu ter aberto um novo Blog. Mas dá uma trabalheira por vezes. Então, algumas memórias vão acabar saindo por aqui mesmo, numa espécie de seção chamada “Paredão do Seu Basílio”. O texto abaixo explica um pouco disso.

PAREDÃO, MEMÓRIAS, PAIXÃO

Isso de paredão lembra coisa de comunista – ou diante dele, atirando, ou encostado nele, sendo fuzilado.  Mas não é de nada disto que se trata aqui (ou se trata, de tudo, diria o grande Machado).

Em 1975, eu, um piá de 15 anos absolutamente desimportante em Paranaguá, meio ‘nerd’, meio jogador de bola nos campinhos da cidade (sendo claro: um zagueiro perna-de-pau mesmo), gostava de explorar os espaços da casa de meus pais. Quintal amplo, muitas árvores, muita criação – galinhas, patos, porquinhos-da-índia, marrecos, cachorros, gatos. Um porão acolhedor, com chão de terra e numerosas aranhas nas teias com quem conversar. Mas, ah!, o telhado, ao qual subia a partir de um alçapão que eu mesmo fiz a partir do meu quarto de guri...

Tirava duas telhas e acedia a meu telhado. Deitava lá admirando estrelas, esperando surgir algum OVNI, sob a revoada do começo da noite de um enorme bando de morcegos vegetarianos (ainda bem!). Ali, diante de mim repousado sobre a armação de argila, erguia-se um enorme paredão, de cor vermelha desbotada, que era parte da enorme casa do nosso vizinho, o sr. Basílio, um homem já vetusto, obeso e pouco afeito ao trato social. Tão enorme a parede que era impossível ignorá-la ao olhar, encostada aos limites da calha de meu telhado.

Mas foi no concreto desse paredão que eu, transido de amores por minha colega de colégio Maria, ali engravei as iniciais do nome dela – MRSC. Junto com alguns poucos versos tolos, típicos daquela etapa juvenil. Subir ao telhado e ver-lhe as iniciais no paredão em parte consolava os sonhos amorosos de um adolescente sem coragem de se declarar diante da moça.

Maria era apenas a moça mais linda de Paranaguá. Não era lá muito boa em matemática e, na aula sobre logaritmos, foi o ‘nerd’ aqui se virar para o banco de trás na sala de aula para ensinar um pouco dessa álgebra a ela, que ouvia atentamente, enquanto este piá, admirando-a furtivamente, não conseguia decifrar em termos racionais como uma mulher pode ser tão perfeita criação da Natureza.

Dali a um ano, em 1976, Chico Buarque lançava seu disco “Meus caros amigos”, onde apresentou a música “A noiva da cidade”, que, para mim, só podia estar inspirada em Maria, com versos assim:

“Ai, como essa moça é distraída
Sabe lá se está vestida
Ou se dorme transparente
Ela sabe muito bem que quando adormece
Está roubando
O sono de outra gente

Ai, quanta maldade a dessa moça
E que aqui ninguém nos ouça
Ela sabe enfeitiçar
Pois todo marmanjo da cidade
Quer entrar
Nos sonhos que ela gosta de sonhar…”

Hoje, passados mais de 40 anos, o paredão real do vizinho e minha casa não mais existem. Ficam memórias que vem e vão, do presente ao passado e de lá para cá, que talvez possamos expressar neste “paredão”, gravadas a golpes de um virtual canivete nervoso.