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quinta-feira, 25 de junho de 2020

A curta história do "platô" na curva gráfica da COVID-19

Há exatamente uma semana, o Ministério da Saúde dizia que o Brasil parecia caminhar para um "platô" na curva de contágios. Os números que mostravam uma estabilização eram desmascarados quando os dados eram observados localmente: em alguns estados e municípios, crescimento descontrolado; em outros, queda efetiva. Além disso, o platô era um verdadeiro planalto, com o número de casos diários sempre ficando acima de 20 mil, e o de mortes, em torno de mil.

Da Seção 'Outra Saúde' do site Outras Palavras - 25/06/2020

Com esse cenário e flexibilizações de isolamento por toda parte, o resultado obviamente não poderia ser bom. Ontem falamos sobre a nova alta no país, com 40 mil casos registrados de segunda para terça-feira. Não tínhamos a posição do Ministério, que, mesmo diante de dados tão preocupantes, não havia se manifestado. Nesta quarta, 24, os péssimos números se repetiram: 40.995 novos casos e 1.103 novas mortes. E, finalmente, a pasta fez uma coletiva de imprensa no fim da tarde.

"A gente tinha falado que parecia que a curva tenderia a certa estabilização, ou diminuição do número de casos. A gente vê que nesta semana tivemos aumento significativo de casos novos”, reconheceu o secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Correia. Ele se refere não a esses últimos dias, mas a uma alta verificada a partir da semana epidemiológica 25, que terminou no dia 20 de junho. Em relação à semana anterior, houve um aumento de 22% nos casos e 7% nas mortes. "[Isso] nos mostra atenção que precisamos ter a essa doença a cada semana que passa", completou, constatando o óbvio. 

E o que levou ao aumento? O Ministério reconhece que o vírus está subindo onde antes não havia se espalhado com força. Sabemos que as reaberturas estão acontecendo de forma desordenada em todo o país, mesmo que municípios e estados estejam em momentos epidemiológicos distintos. Vimos cidades tentando fechar de novo seus comércios após flexibilizações fora de hora. Em Minas Gerais, a taxa total de ocupação das UTIs passou de 69% para 90,6% em um mês, após a reabertura em vários municípios, e hoje são nove os estados que têm mais de 80% de suas UTIs para COVID-19 ocupadas. 

Mas, para os representantes da pasta, as flexibilizações do isolamento não parecem fazer parte do problema. Eles preferem falar sobre a "mudança de estação": “O inverno começou agora na região Sul, Sudeste e Centro-Oeste, e coincidiu com o aumento no número de casos notificados e confirmados de COVID-19 nessa região”, disse Eduardo Macário, diretor do Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis, recomendando que "a população busque se proteger o máximo possível". O mistério é como a população vai fazer para se proteger por conta própria – já que mesmo quem estava em casa começa a precisar trabalhar de novo, o auxílio emergencial [de R$600] vai sendo ameaçado e o país não tem orientações claras das autoridades para lidar com a pandemia.

Na coletiva de imprensa da Organização Mundial da Saúde (OMS) de ontem, o diretor de emergências da entidade, Michael Ryan, foi questionado sobre a situação brasileira. Disse que é difícil prever qualquer coisa, porque os rumos da pandemia dependem das respostas locais: "O que você faz afeta o pico. Afeta a altura do pico, afeta o comprimento do pico e afeta a trajetória para baixo. Isso tem tudo a ver com a intervenção do governo para responder, com a cooperação da comunidade com essa intervenção e com a capacidade de atuação dos sistemas de saúde e de saúde pública. O vírus não age sozinho. O vírus explora uma vigilância fraca. O vírus explora sistemas de saúde fracos. O vírus explora uma má governança. O vírus explora a falta de educação e a falta de empoderamento das comunidades". No Brasil de hoje, ele encontra pouco ou nenhum limite para avançar.

A propósito, o Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou a emissão de um alerta ao governo sobre a falta de estratégia para combater a COVID-19. O relatório do ministro Vital do Rêgo aponta que não há gerenciamento de risco nem profissionais de saúde suficientes para mitigar a transmissão. E menciona a ausência de um ministro efetivo da Saúde, a ocupação de cargos na pasta por pessoas sem formação na área e a falta de transparência nas informações do governo.
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Fonte: texto do site "Outras Palavras"; figura da revista Science.

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