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sábado, 5 de abril de 2014

Derrubando monumentos. E documentos?

Não tenho como não saudar a iniciativa do movimento de jovens denominado "Levante Popular da Juventude" na data marcante dos 50 anos do golpe militar de 1964, em que derrubaram e arrastaram o busto do ex-reitor da UFPR Flávio Suplicy de Lacerda, figura que serviu de auxiliar à ditadura instaurada em 1964, sendo ministro da educação da direita militar e perseguindo os estudantes.

Suplicy de Lacerda, embora reacionário, deu importante contribuição à sobrevivência da Universidade do Paraná nos anos 1940, quando era reitor, lutando por sua federalização, concretizada em 1950.  Não obstante essa contribuição de garantir uma instituição pública de educação superior no Paraná, Suplicy, quando do advento da ditadura militar em 1964, tornou-se dela ministro, realizando ações de duro cerceamento da liberdade de expressão e organização do movimento estudantil, além da tentativa de implantação de um curso pago em 1968.  Nesse ano, em maio, deu-se a famosa "tomada da Reitoria", jornada guerreira heroica do movimento estudantil que barrou a tentativa de ensino pago, ocasião em que o busto do ex-reitor foi arrancado de seu pedestal e arrastado por ruas de Curitiba.

Agora, em abril de 2014, o mesmo gesto simbólico contra o reacionarismo de 1964 foi repetido, disparado contra o busto em bronze de Suplicy que "olha" para a entrada da Reitoria da UFPR, no campus central.  A juventude pichou o busto, destacou-o de seu pedestal de pedra, arrastou pela rua e até agora o retém em local não divulgado.

A Reitoria da UFPR emitiu nota protestando contra o que considera "dano ao patrimônio histórico" e reivindica a devolução da imagem esculpida.  Os jovens do "Levante" criticaram duramente a nota do reitor Zaki Akel e não desejam que a situação volte ao que era antes.  Propõem que:

"O destino do busto deverá ser definido pela Comissão da Verdade juntamente com os movimentos sociais. Uma audiência pública aberta e democrática da Comissão da Verdade será uma ótima oportunidade para demonstrar o trabalho que deve-se fazer para REESCREVER a História Brasileira, garantindo a verdade e a vontade de superar os erros do passado. O passado não pode ser mudado. O presente, todavia, está em nossas mãos."

"Sugerimos deixar a base do Busto com sua placa no local, mas somente se lá for adicionada outra placa explicando o porquê de o busto ter sido derrubado, tanto em 1968 quanto em 2014. Ou mesmo substituir o busto deste agente da ditadura por um representante da comunidade acadêmica do período ditatorial que lutou pela democracia e pela liberdade, como Vieira Neto."

É apropriado que o busto seja deixado aos cuidados da Comissão da Verdade, a qual tem uma representação de nível estadual e também uma própria da UFPR, e essas Comissões debaterão democraticamente o que fazer.  A ideia do "Levante" de acrescentar uma nova placa ao pedestal do busto de Suplicy de Lacerda, onde conste também um resumo de seus serviços a um governo fascista, torturador e assassino, junto com a placa laudatória, é um serviço à preservação da História.

Por fim, anote-se aqui que qualquer monumento, como o busto de Suplicy, goste-se ou não dele, é uma documentação de um período da história brasileira, como o são tantos outros monumentos/documentos país afora e pelo mundo.  Não se pode acabar com essas fontes de memória e história sob o pretexto de razões políticas por mais cabíveis e progressistas que sejam, pois com isso privamos historiadores e gerações atuais e futuras do acesso a tais fontes de memória.  E, a cada tempo, e sempre que se reescreve a História, acrescem-se novos dados e interpretações a fatos, períodos, personalidades.  Por que não podemos gravar as novas interpretações históricas, em bronze se preciso, nos documentos/monumentos que criticamos sem ser preciso os exterminarmos?

Um comentário:

Lucia disse...

Que maravilha..!! Mataram a estátua. Gesto nobre e revolucionário que resolve todos os problemas políticos do planeta terra. Derrubam, quebram, batem, ofendem, fazem um baita barulho, mas não resolvem porra nenhuma.