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sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O que diz o diretor do Hospital da UnB sobre a nova EBSERH


Reproduzimos artigo do Dr. Gustavo Romero, médico, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília e atual Diretor Geral do Hospital da UnB.

Iniciamos 2011 com a publicação do tão aguardado gesto da Administração Federal para resolver o impasse relacionado ao imponente déficit de trabalhadores dos Hospitais Universitários Federais (HUFs). As causas do déficit gigantesco encontram o seu fundamento em políticas de Estado que sucatearam nas últimas décadas as instituições federais de ensino e que foram revertidas parcialmente durante os oito anos do Governo Lula.

A situação vivenciada pelos HUFs nos últimos anos poderia ser qualificada sem dúvida como heróica, na sua opção pelo serviço público gratuito, de qualidade e de acesso universal, apesar do déficit grosseiro de pessoal, sub-financiamento gritante, cobrança cada vez maior dos órgãos de controle e demanda crescente provocada pelo REUNI.

Certamente, a participação decisiva da ANDIFES e a atitude pró-ativa do Ministério da Educação contribuíram para a publicação da Medida Provisória No. 520 de 31 de dezembro de 2010 que autoriza o Poder Executivo a criar a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares S.A. – EBSERH.

Em linhas gerais a EBSERH, empresa pública de direito privado, tem finalidade abrangente de prestar serviços gratuitos de assistência médico-hospitalar e laboratorial à comunidade e prestação de serviços de apoio ao ensino e à pesquisa, ao ensino-aprendizagem e à formação de pessoas no campo da saúde pública. Até aqui, em termos executivos a empresa poderá fazer o que as fundações públicas de direito privado propostas pelo ex-ministro Temporão fariam com a diferença marcante de que a EBSERH tem perfil de mega-empresa com gestão centralizada de mais de 40 hospitais.

As suas competências são todas aquelas que o Ministério da Educação tem em relação aos HUFs e ainda a possibilidade de administrar as unidades hospitalares no âmbito do SUS. O mecanismo de prestação de serviços para as instituições federais de ensino (IFES) dar-se-à por meio de contrato com a anuência do Ministério de Planejamento e com a interveniência do “órgão supervisor”.

Finalmente, o regime de trabalho dentro da EBSERH será conforme a CLT e as IFES ficam autorizadas a ceder o seu patrimônio móvel e imóvel e os seus funcionários para a empresa poder executar o contrato celebrado entre as duas.

Cabe, portanto, fazer uma profunda reflexão das oportunidades que se abrem com a criação da EBSERH e dos desafios inerentes às complexas articulações e consensos que serão necessários no seu processo de implantação e modo final de operação.

O primeiro ponto a ser destacado é o reconhecimento de que a esfera de atuação no que tange à administração e execução de serviços de atenção à saúde da população deve acontecer no âmbito do SUS de maneira gratuita. É, sem dúvida, um fruto da insistente luta dos HUFs, do MEC e do Ministério da Saúde a definição clara e categórica, nesta medida, do respeito devido aos princípios constitucionais que determinam o espírito do SUS.

Dito isto, cabe refletir sobre o modo de fazer da EBSERH e do modo de acolher que as comunidades das IFES praticarão com a nova empresa. Sobre o modo de fazer o ponto crucial recai sobre o regime de trabalho pela CLT que transforma radicalmente o modo de admissão de servidores públicos para os HUFs. Esta mudança, na atual conjuntura, poderá ser recebida pelos trabalhadores contratados em condições irregulares, como uma continuação do regime que já é praticado pelas fundações de apoio, caso particular de muitos HUFs, e como a garantia de uma carteira assinada pelos profissionais contratados como prestadores de serviços, como é o caso do Hospital Universitário de Brasília. Certamente, este ponto terá que ser discutido com as organizações sindicais, pois, sempre foi uma bandeira dos sindicatos a manutenção da política de contratação pelo regime jurídico único.

No entanto, a medida provisória, inova também na maneira como a relação com os sindicatos é manejada pelo executivo ao delegar as administrações das IFES competência para fazer os contratos com a EBSERH, sendo evidente que as negociações em cada uma das universidades em relação ao grau e a maneira de aderir ou contratar os serviços da EBSERH dependerá das decisões soberanas e colegiadas de cada instituição.

Por outro lado, não fica completamente claro o grau em que, o que eu chamaria de “terceirização” da administração, será praticado, nos termos dos contratos a serem celebrados com a EBSERH pelas IFES. A medida provisória é generosa nos limites e em tese pode permitir que a IFES abra mão completamente do seu patrimônio físico e de todo o pessoal lotado no respectivo HUF em troca de um cenário que atenda às necessidades de formação de pessoas nos cursos da saúde. Quanto este processo distanciará novamente as administrações superiores das IFES dos HUFs é uma pergunta que não quer calar, pois, só recentemente as universidades parecem ter despertado para apreciar o valor estratégico das instituições hospitalares nos complexos universitários, valor este reconhecido repetidamente pelo atual Reitor da UnB que vem pregando incessantemente que as ações de atenção à saúde no hospital universitário criam cenário impar para garantir o retorno à comunidade e a busca constante de uma boa parte das referências sociais da nossa universidade.

O princípio da autonomia também poderá estar em risco, dependendo dos termos dos contratos a serem celebrados com a EBSERH. Caso haja a intenção de terceirizar a gestão do hospital universitário para a empresa, uma relação “empresarialmente” eficiente poderá ser estabelecida; no entanto, a participação da universidade nos destinos do hospital poderá sofrer um desgaste causado pela relação de “uso” do hospital como “clientes” sem a devida participação dos corpos docente e discente como construtores e transformadores da instituição.

Ainda, o MEC terá o desafio de administrar as relações entre IFES progressivamente mais autônomas e uma empresa pública a ele subordinada com possibilidade de fazer retroceder a tão desejada descentralização da tomada de decisões e a condução dos destinos das universidades inseridas plenamente nas comunidades que as acolhem.

Finalmente, cabe perguntar qual será o papel do Ministério da Saúde, definido no recém decretado Plano de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais – REHUF, como financiador de 50% dos custos da rede de HUFs, nas futuras relações entre a EBSERH e as universidades.

A discussão está só começando e a criação da EBSERH certamente servirá de motivação para rever conceitos e reafirmar posições sobre o melhor cenário para desenvolver a formação de bons profissionais para o Sistema Único de Saúde.

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