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quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Banco Mundial, SUS e a mídia manipuladora

A manchete da primeira página da Folha de S. Paulo (09/12/2013) não deixa margem à dúvida: “Ineficiência marca gestão do SUS, diz Banco Mundial”. A matéria destaca que essa é “uma das conclusões de relatório inédito obtido com exclusividade pela Folha”. Aos desavisados a mensagem subliminar é clara: o SUS é um fracasso e o Ministro da Saúde, incompetente.

Por Eduardo Fagnani(*), no site do Luis Nassif

A curta matéria [na Folha SP] da suposta avaliação do Banco Mundial sobre vinte anos do SUS é atravessada de “informações” sobre desorganização crônica, financiamento insuficiente, deficiências estruturais, falta de racionalidade do gasto, baixa eficiência da rede hospitalar, subutilização de leitos e salas cirúrgicas, taxa média de ocupação reduzida, superlotação de hospitais de referência, internações que poderiam ser feitas em ambulatórios, falta de investimentos em capacitação, criação de protocolos e regulação de demanda, entre outras.

Desconfiado, entrei no site do Banco Mundial e consegui acesso ao “inédito” documento “exclusivo”(**). Para meu espanto, consultando as conclusões da síntese (Overview), deparei-me com a seguinte passagem que sintetiza as conclusões do documento (página 10):

“Nos últimos 20 anos, o Brasil tem obtido melhorias impressionantes nas condições de saúde, com reduções dramáticas mortalidade infantil e o aumento na expectativa de vida. Igualmente importante, as disparidades geográficas e socioeconômicas tornaram-se muito menos pronunciadas. Existem boas razões para se acreditar que o SUS teve importante papel nessas mudanças. A rápida expansão da atenção básica contribuiu para a mudança nos padrões de utilização dos serviços de saúde com uma participação crescente de atendimentos que ocorrem nos centros de saúde e em outras instalações de cuidados primários. Houve também um crescimento global na utilização de serviços de saúde e uma redução na proporção de famílias que tinham problemas de acesso aos cuidados de saúde por razões financeiras. Em suma, as reformas do SUS têm alcançado pelo menos parcialmente as metas de acesso universal e equitativo aos cuidados de saúde" (tradução rápida do autor).

Após ler essa passagem, tive dúvidas se havia lido o mesmo documento obtido pela jornalista. Fiz novos testes e cheguei à conclusão de que sim. Constatado que estava no rumo certo, continuei a ler a avaliação do Banco Mundial e percebi que as críticas são apontadas como “desafios a serem enfrentados no futuro”, visando ao aperfeiçoamento do SUS.

Nesse caso, o órgão privilegia cinco pontos, a saber: [1]ampliar o acesso aos cuidados de saúde; [2]melhorar a eficiência e a qualidade dos serviços de saúde; [3]redefinir os papéis e relações entre os diferentes níveis de governo; [4]elevar o nível e a eficácia dos gastos do governo; e [5] melhorar os mecanismos de informações e monitoramento para o “apoio contínuo da reforma do sistema de saúde” brasileiro.

O Banco Mundial tem razão sobre os desafios futuros, mas acrescenta pouco ao que os especialistas brasileiros têm dito nas últimas décadas. Não obstante, é paradoxal que esses pontos críticos ainda são, de fato, críticos, em grande medida, pela ferrenha oposição que o Banco Mundial sempre fez ao SUS, desde a sua criação em 1988: o sistema universal brasileiro estava na contramão do “Consenso de Washington” e do modelo dos “três pilares” recomendado pelo órgão aos países subdesenvolvidos. É preciso advertir aos leitores jovens que, desde o final dos anos de 1980, o Banco Mundial sempre foi prejudicial à saúde brasileira.

É uma pena que o debate sobre temas nacionais relevantes – como o sistema público de saúde, por exemplo – seja interditado pela desinformação movida pelo antagonismo das posições políticas, muitas vezes travestido de ódio, que perpassa a sociedade, incluindo a mídia.

Que o espírito reconciliador de Mandela ilumine os brasileiros – e o pobre debate nacional.
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(*)Professor do Instituto de Economia da Unicamp, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho (CESIT/IE-UNICAMP) e coordenador da rede Plataforma Política Social–Agenda para o Desenvolvimento (www.politicasocial.net.br).

(**)"Twenty Years of Health System Reform in Brazil - An Assessment of the Sistema Único de Saúde". Michele Gragnolati, Magnus Lindelow, and Bernard Couttolenc. Human Development. 2013 International Bank for Reconstruction and Development / The World Bank 1818 H Street NW, Washington DC. Esta publicação pode ser lida na íntegra acessando este link.

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