Depoimento de 12 horas na CCJ foi importante porque sublinhou o básico: juiz deve ser acima de tudo imparcial. Nada mais atual.
Por Paulo Moreira Leite, em seu site
Embora a oposição tenha feito o possível para transformar a sabatina de Luiz Fachin num comício fora de hora e de lugar, a aprovação de seu nome só foi possível porque o candidato ao STF colocou-se acima do jogo baixo dos adversários e fez uma apresentação de alto nível na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
Após 12 horas de debates, leões da oposição, como Aloizio Nunes Ferreira e Ronaldo Caiado, que abriram os trabalhos tentando transformar a sabatina numa audiência pública de tom inquisitorial, uma espécie de CPI, o que teria impedido qualquer debate produtivo, tiveram de retirar-se exaustos e vencidos.
A batalha decisiva será travada na semana que vem, quando o plenário de 81 senadores aprova - ou não - a indicação de Facchin ao STF. Mas a lição de ontem foi proveitosa por várias razões.
Ao falar de sua história de vida e de suas convicções, Facchin mostrou que conhece fundamentos do Direito e que tem o que dizer sobre o momento atual da Justiça brasileira.
Também respondeu de forma convincente à acusação de que, quando procurador do Estado, desrespeitou a legislação do Paraná ao aceitar um trabalho como advogado a serviço de uma causa privada. Explicou, detalhadamente, que essa atividade era compatível com as regras vigentes no momento em que prestou concurso para o serviço público — visão confirmada por todas autoridades consultadas a respeito, a começar pelos organizadores do concurso, onde foi aprovado em primeiro lugar, aliás.
Também deixou claro, com exemplos capazes de envergonhar críticos e oponentes, que sua declaração de apoio a Dilma em 2010 foi parte de uma vida onde a militância política política sempre esteve presente. Fachin lembrou que apoiou um conjunto ecumênico de políticos, boa parte deles tucanos, num período em que o PSDB era visto como uma legenda de centro-esquerda — como os ex-governadores José Richa, do Paraná, e Mário Covas, de São Paulo, e ainda Gustavo Fruet, prefeito de Curitiba e um dos principais microfones do PSDB na CPI da AP 470.
Mas ele soube prestar este esclarecimento de forma discreta, sem assumir uma posição defensiva, permanecendo na posição de quem fazia a gentileza de esclarecer oponentes mal-informados. Como se isso não bastasse, o apoio do senador Alvaro Dias, um dos campeões de denúncias contra o PT na casa, contribuiu para elevar sua cota de credibilidade.
Entrando no ponto substancial da sabatina, que consiste em definir como pretende cumprir a tarefa de ministro do STF caso venha a ser nomeado, Fachin foi preciso. Lembrou e repetiu, com frequência para ninguém ter dúvidas, que o traço fundamental de um magistrado deve ser a imparcialidade.
Com a cautela de quem jamais iria citar nomes nem mencionar casos concretos — chegou a dizer que não iria fazer comentários sobre a AP 470 alegando que não estudara o caso com o devido cuidado — mas estava disposto a fixar um princípio, ele tocou num assunto que tem toda atualidade numa conjuntura na qual magistrados são aplaudidos na rua e na mídia por assumir o papel de segunda voz da acusação. Isso já ocorreu com Joaquim Barbosa na AP 470 e repete-se agora com Sérgio Moro na Lava Jato.
Com um sorriso irônico nos lábios, Fachin deu uma definição precisa daquilo que muitos comentaristas chamam de “consciência de juiz.” Esclareceu que, em sua opinião, “a consciência de um juiz” é a própria ordem jurídica, afirmação bem vinda num país onde, em 2012, no julgamento da AP 470, era comum ouvir ministros do STF dizendo que a “Constituição é aquilo que o Supremo diz que ela é.”
Na mesma linha, o ministro lembrou a importância dos demais poderes da República, sublinhando a importância do Congresso como expressão da vontade popular. Numa conjuntura na qual procura-se colocar o Judiciário no centro das decisões políticas, Fachin lembrou que a democracia é construída pelo convívio harmônico — sublinhou a palavra — entre os poderes.
Sua menção a Norberto Bobbio, um dos principais pensadores do mundo pós-Muro de Berlim, contém vários significados em política e em Direito. Bobbio foi um dos grandes defensores do garantismo, corrente de pensamento nascido nos julgamentos do terrorismno italiano da década de 1970, que coloca a defesa dos direitos e garantias do cidadão como a principal missão da Justiça e de um juiz.
Luiz Fachin saiu da sabatina muito maior do que entrou. Apresentado como um simples teleguiado que o Planalto tentava emplacar no Supremo de qualquer maneira, despediu-se como um jurista de conhecimentos eruditos, pontos de vista amadurecidos longamente, que formam um todo que conversa entre si. Após o desempenho que Facchin exibiu ontem, ficou difícil negar que tenha méritos para integrar o plenário do STF — o que pode tornar bastante penoso o esforço dos adversários para arrebanhar votos contra sua nomeação.
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