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quarta-feira, 29 de julho de 2020

A bolha metafísica offline

Em 23/07 deste ano, o diretor do setor de Ciências Exatas da UFPR, professor Marcos Sunye, concedeu entrevista ao jornalista Rogério Galindo, do jornal online Plural. A matéria publicada mostra com nitidez, infelizmente, traços de ressentimento em Sunye, ecos do resultado da eleição direta para a Reitoria em 2016, que deu vitória ao atual reitor Ricardo Marcelo. O que talvez explique sua análise incompleta e algo distorcida do quadro atual da disputa pela Reitoria. 

O velho professor alemão Georg Hegel (1770-1831), em suas lições, desenvolvendo a antiga dialética de alguns gregos clássicos, discorria sobre a misteriosa interconexão geral de fenômenos e objetos da realidade. Este elemento de sua Lógica, e alguns outros, compunham um conjunto que Engels chamava de “leis” da teoria do conhecimento e do movimento, inspirando ele próprio e um colega jornalista crítico da crítica crítica a embasar na dialética hegeliana, devidamente depurada do idealismo, aquilo que depois se chamou marxismo. 

Na entrevista dada ao Plural, o professor Sunye sustenta sua tese de que seria possível aguardar o fim da pandemia da COVID-19 (cuja data é incerta mesmo para os melhores epidemiologistas do mundo), para, depois disso, realizar a consulta direta para a Reitoria de forma presencial, em oposição ao método virtual aprovado pelo Conselho Universitário em junho. 

Até o arrefecimento da pandemia (de data incerta, reiteramos), o mandato do atual reitor Ricardo Marcelo expiraria em 18/12/2020 e sua vice, Graciela Bolzon, assumiria a condução da UFPR até a hora de fazer a consulta presencial (antes de março, quando acaba também o mandato da vice), a única forma efetivamente virtuosa e democrática a garantir plena participação dos membros da comunidade universitária. 

E não haveria qualquer risco político ou administrativo de o fascista desgoverno Bolsonaro nomear um interventor pro-tempore. Para isso, apoia-se em alguns dispositivos legais em defesa de seu argumento para não se fazer a consulta direta virtual. 

É pelo menos curioso ouvir de um dos expoentes da área da Informática da UFPR a maniqueísta contraposição de que o recurso às tecnologias propiciadas pela internet é impróprio, antidemocrático e inviabiliza o “amplo” debate no seio da comunidade apta a votar, enquanto que o tradicional método presencial seria pleno de virtudes e o único capaz de assegurar democracia interna e legitimidade à chapa eleita. Hoje, aliás, por causa da pandemia, os principais poderes da República (Congresso, STF, STJ) fazem suas sessões virtuais e – oh, sacrilège! - nelas deliberam rumos para o país! 

Isso, no entanto, é de menos quando se constata, vindo do grupo liderado por Sunye, a subestimação flagrante dos riscos reais de intervenção federal na UFPR, se não cumpridos certos prazos legais para a sucessão na Reitoria. 

Não terão ainda, para o grupo desistente do processo, sido suficientemente educativos politicamente os 19 meses do desgoverno Bolsonaro, pleno de arbitrariedades e descumprimento de dispositivos legais? Ou, mais especificamente, os meses de estupidez, desfaçatez, inépcia e deboche do pior ministro da Educação das últimas décadas, o fugitivo Abraham Weintraub? Desministro metido a engraçadinho do Twitter que cortou fundo verbas e bolsas de pesquisa das Universidades Federais e tentou emplacar o privatizante projeto “Future-se”? Seria preciso ainda mais disso para que os subestimadores do autoritarismo bolsonarista entendam que de modo algum vivemos tempos de normalidade democrática? 

Sob o desgoverno Bolsonaro, muita coisa de anormal já ocorreu, ao arrepio das leis e do chamado republicanismo, até usar e abusar do entulho da Lei de Segurança Nacional (vinda da ditadura) contra seus opositores. Logo, não se pode dar “chance pro azar” neste processo sucessório da UFPR, ele tem que ser realizado dentro de prazos legais, para não abrir flancos jurídicos, e, neste momento de incertezas sanitárias, terá de ocorrer pelo método eletrônico virtual (possivelmente trazendo maior quorum de presença de eleitores do que o presencial). 

Mais: o candidato de oposição nesta consulta direta marcada para setembro é um bolsonarista, mesmo que diga que não é. Vem à mente aquele dito: tem cabeça de porco, rabo de porco, patas de porco, mas não é porco… Não se pode formar opinião acerca de uma pessoa por aquilo que ela diz de si mesma, mas sim pelo que faz concretamente. Recomendamos aos leitores a leitura da entrevista  intitulada "Candidato a reitor diz que UFPR é doutrinadora e assistencialista", no mesmo jornal Plural em 20/07, dada pelo candidato da direita, Horácio Tertuliano. Nessa matéria se vê como o professor Horácio manifesta diversos pontos de vista em evidente afinidade com aqueles que Bolsonaro vive tagarelando. Ele sonha entrar na lista tríplice que irá para o MEC, mesmo que seja mal votado na consulta direta, e aí contar com a caneta Bic amiga do seu Jair.

Assim, o caro e bem-intencionado professor Sunye, com seu grupo de apoio, parecem fechar-se em uma bolha metafísica, compartimento estanque que analisa a UFPR isoladamente do cenário nacional repleto de instabilidade. E uma bolha offline, desconectada da multiplicidade de fenômenos do Brasil e do mundo em que está inserida a UFPR. Ainda há tempo de mudar. 

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