Shannon é uma jovem enfermeira que trabalha num movimentado hospital de Dublin, na Irlanda, um país que, desde março de 2020, implantou um lockdown relativamente precoce. A ala onde Shannon atendia foi convertida em unidade de COVID-19, o que causou medo nela, além da questão de mudanças de protocolos e uso de outro tipo de EPI.
Mas, em abril, a enfermaria virou uma espécie de zona de guerra. Médicos e enfermagem assustados, sem saber direito com o que lidavam, nem mesmo ainda a melhor maneira de tratar os doentes, com frequentes remoções de pacientes para a UTI, a lida com o estresse e o luto das famílias.
No final daquele mês, Shannon, fazendo às vezes dois longos turnos consecutivos na enfermaria, começou a passar mal, com dores nas pernas, cefaleia (seria pelo uso prolongado do EPI?), e pouco depois surgiram dificuldades respiratórias, fadiga, tosse seca, perda de olfato e de paladar.
Sem surpresas, o teste para coronavírus deu positivo. E estava havendo surto de COVID-19 entre seus colegas. Não de se admirar, pois no hospital todos trabalhavam muito juntos, compartilhando das mesmas salas de repouso e tendo que tirar o EPI para se alimentar, além de ventilação inadequada. A enfermagem sempre tinha contato mais próximo com os pacientes.
Desde o exame positivado, a enfermeira se isolou por três semanas, mas os sintomas não arrefeciam, ela ainda era contagiante. "Fiz o que pude - repousei, tomei vitaminas, fiz curtos passeios no meu quintal, fiquei na posição de pronação (de barriga para baixo)", diz Shannon. Mas a fadiga continuou, sobreveio um aperto no peito, frequentes dores musculares, muita taquicardia e palpitações, suores noturnos, perda de peso, além de maior vulnerabilidade a outras infecções - ela teve febres, duas infecções urinárias e três de pele. Algo bem difícil de a psique de alguém suportar.
Até então, e era ainda começo da pandemia, Shannon não tinha ouvido falar da chamada "COVID longa" ou estendida, que descreve as pessoas com sintomatologia de longa duração da virose. Ela pensava que estava enlouquecendo, ou algo ainda pior vindo. Ela sabia de muitos colegas que haviam contraído COVID, mas se recuperaram bem e até voltaram ao trabalho. "Além dos sintomas físicos, também sentia uma obnubilação cerebral, dificuldade de concentração, às vezes não conseguia falar direito as palavras. Não só preocupada com minha própria saúde e energia realmente limitada, mas, mais ainda se, voltando ao trabalho, cometesse algum erro ao lidar com pacientes, por não mais poder confiar em mim, em minha habilidades", lamenta-se.
O que pode advir da "COVID longa", como sequela, às vezes para toda a vida, é a Síndrome da Fadiga Crônica (SFC), muito limitante da atividade laboral. Dia após dia, a rotina de Shannon pode ser bem solitária. Tenta se exercitar todos os dias, mas o máximo que consegue é uma caminhada de 30 minutos a passo lento. Ainda espera voltar ao trabalho, mas sabe que isso terá que se dar por etapas. Para lidar com as batalhas psicológicas, faz várias sessões de aconselhamento e também meditação.
Relatamos aqui, e resumidamente (há mais problemas com nossa enfermeira irlandesa) um caso de COVID de longa duração para mostrar como é variado o espectro de apresentação clínica dessa patologia, que pode afetar muitos órgãos e sistemas, por vezes prejudicando todo o restante tempo de vida do paciente e inviabilizando volta ao trabalho. E para que, uma vez mais, não pululem por aí negacionistas da Ciência que ainda acham, junto com o presidente genocida, que COVID-19 é uma "little flu", uma "gripezinha".
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Fonte: The Lancet - Respiratory Medicine, 3 de março de 2021.
DOI : https://doi.org/10.1016/S2213-2600(21)00123-5
Figura de The Lancet
Resenha com tradução livre do inglês do autor da postagem
DOI : https://doi.org/10.1016/S2213-2600(21)00123-5
Figura de The Lancet
Resenha com tradução livre do inglês do autor da postagem
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