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quinta-feira, 16 de julho de 2020

Nem conformismo nem deserção: pela democracia feita pela própria comunidade da UFPR

Datado de 13 de julho, o coletivo chamado “Rede UFPR” - politicamente ligado ao ex-candidato a reitor de 2016 Marcos Sunye, atual diretor do Setor de Ciências Exatas -, publicou um Manifesto, intitulado “Tradição democrática e princípios: porque não participaremos da eleição para reitoria da UFPR”, que explicita razões pelas quais ausenta-se do processo sucessório da Reitoria marcado para setembro. 

Começa errando na datação do processo democrático que os movimentos da comunidade universitária instauraram na UFPR. Não foi em 1986 que começou a luta pela democracia dentro da UFPR, mas desde antes de 1981, ainda em tempos de ditadura militar. Em 1981, APUFPR à frente (o DCE estava sendo reconstruído e o SINDITEST não existia), mas com largo apoio de servidores técnicos e de estudantes, foi realizada a primeira eleição direta para a Reitoria, ainda que revestida de caráter simbólico, na qual o primeiro colocado foi o professor Lamartine, do curso de Direito. Alguns meses depois, a ditadura nomeou seu último reitor “biônico”, o professor Alcy Ramalho, das Engenharias, que assumiu em abril de 1982. 

A luta por democracia na UFPR se elevou de patamar, paralelamente com a pugna pelo fim da ditadura militar, que tomava todo o Brasil, primeiro pela Campanha das “Diretas-Já”, depois no apoio à eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral da própria ditadura, derrotando Maluf, o civil amigo da milicada. Em janeiro de 1984, durante o trote da calourada, uma imensa faixa do DCE estendida no prédio da Reitoria da UFPR clamava: “Queremos eleger o presidente/E o reitor daqui pra frente!”. 


Isto se concretizou, para valer, no segundo semestre de 1985, com a ditadura já fora de cena, quando a eleição direta paritária deu a vitória ao professor Riad Salamuni, da Geologia, confirmado reitor pelo então presidente José Sarney. No ano seguinte, seria eleito, também diretamente, como seu vice o professor da Medicina Dante Romanó Jr., outro expoente das batalhas democráticas da UFPR, em meio ao ninho de reacionarismo que era o HC. 

Quando o Manifesto dos desertores da democracia arrola três parâmetros do processo direto na escolha da nova Reitoria, esquece um: o estímulo ao aberto e disseminado debate de propostas de gestão entre as candidaturas postas. O processo de 2016 foi pleno desses debates, tanto nos campi da capital como nos do interior. No processo deste ano, obrigado a se dar de forma virtual, pela internet, não deve ser diferente, pois as duas candidaturas inscritas no CoUn deverão discutir entre si, frente a frente, nas telas de computadores e celulares, onde quer que estejam os/as eleitores/as. E, claro, desde que as duas chapas se disponham ao confronto de ideias, pois, dentre as que se inscreveram – Ricardo Marcelo/Graciela e Horácio/Ana Paula – pode sempre acontecer de esta última, de corte direitista, se esquivar do debate, a exemplo de certo candidato a presidente de 2018. 

O Manifesto dos desercionistas da “Rede UFPR” acusa como inválido para a democracia universitária o método virtual da consulta direta à comunidade. No processo usual presencial, que vem desde 1985, sempre haverá considerável parcela da comunidade eleitora altamente engajada nas disputas das chapas e nos debates, ao lado de uma porção, não insignificante, de pessoas simplesmente “desligadas” e que só vão saber que há uma eleição em curso quando são abordadas por cabos eleitorais das candidaturas na entrada do campus. Com isto se quer dizer que o processo presencial de uma eleição, per se, não é garantia sólida alguma de “mais” democracia, ou de efetiva democracia. 

Além disso, cabe registrar que, mesmo nas eleições presenciais do passado, envolvendo milhares de corações e mentes dedicadas ao apoiamento a suas candidaturas, jamais o quórum de participação da comunidade atingiu sequer a metade dos aptos a votar, o que quer dizer que, infelizmente, nem todos estão efetivamente voltados a se preocupar com os rumos da instituição a serem dados por dirigentes eleitos. 


Existe mesmo a possibilidade de que, neste ano, a captura da opinião pela internet até eleve o quórum de presença de votantes, inclusive por facilitar a expressão do voto, que dispensa a presença física do eleitor nas dependências da UFPR e, pior, numa eventual fila para votar. Só a título de registro, nos EUA existe a opção de voto a presidente da república pelo correio, terror de reacionários como Donald Trump. E, para os importantes e indispensáveis debates, há rádio, TV e internet. 

Desde que a pandemia do SARS-CoV-2 irrompeu assustadoramente no Brasil, os poderes da República não mais debatem e deliberam presencialmente: Congresso e STF fazem sessões virtuais e nelas tomam decisões, atestando que o método é válido como instrumento para o exercício democrático. Por isso soa tão forçada a repulsa ao emprego da internet para a escolha direta da nova Reitoria da UFPR. O ex-candidato a reitor de 2016 Marcos Sunye, expert na área de informática, sabe perfeitamente de vicissitudes mas principalmente das qualidades das ferramentas de sua própria área de conhecimento e trabalho como auxiliares na vida das pessoas e governos. 

Lamentável constatar como é minimizado o risco de um desgoverno inepto e autoritário, que tem na cabeça um fascista genocida, tentar qualquer brecha dentro da UFPR para introduzir um interventor nomeado em Brasília. Depois das ameaças das MP’s 914/2019 e 979/2020, baixadas pelo ensandecido ex-”ministro” Weintraub, versando sobre o processo de escolha de reitores das Universidades Federais (e felizmente extintas), não nos entra na cabeça que lideranças responsáveis da “Rede UFPR”, autora do Manifesto, possam achar que a eventual intercorrência de uma interventoria na UFPR seja algo de menor importância. Fosse uma nota redigida por estudantes que entraram há poucos anos na Universidade, e jamais viveram sob o tacão de dirigentes universitários nomeados exclusivamente por ditadores de Brasília, seria compreensível. Mas, não, trata-se de professores e servidores que labutam há muitos anos dentro da UFPR, e que, supõe-se, já pelo menos leram livros de História. Cabe, portanto, gritar em alto e bom som que a UFPR é autônoma para escolher quem a dirige, e presta contas à comunidade toda do país e do estado que a sustenta. 

Nesse Manifesto da “Rede” há várias passagens dignas até de riso, tamanhas as hipérboles discursivas a que se entrega. Não obstante, chama a atenção o seguinte trecho: “O rompimento das tradições democráticas (...) preocupa porque abre caminho para que outros candidatos (...) desconsiderem a nossa tradição e exijam que seus nomes componham a lista tríplice.” 

Ora, à exceção de uma única vez, no fim dos anos 1990, todos os candidatos que não alcançaram o primeiro lugar na votação direta da comunidade retiraram seus nomes da composição da lista tríplice exigida pela lei, dando lugar a outros dois apenas para constar (e com a condição de recusar a nomeação caso ocorresse). Por que então o Manifesto da “Rede” fala agora em candidato que exigiria que, mesmo derrotado no pleito direto, seu nome componha a lista? Por sua trajetória política e acadêmica, pode-se afirmar com certeza que o professor Ricardo não faria tal exigência descabida e antidemocrática. Está a “Rede” então a falar do candidato Horácio? Apreciaremos saber a resposta da “Rede” a essa frase de seu Manifesto. 

Encerramos afirmando confiança no processo novo, excepcional dentro de uma situação de enorme exceção provocada pela pandemia COVID-19, que deverá permitir o livre exercício do voto democrático de todos os membros da comunidade UFPR. Processo que, levado a bom termo, poderá também vir a ser empregado para futuras consultas à comunidade sobre temas polêmicos envolvendo o destino da instituição. 

3 comentários:

Rubens disse...

Lembro que era diretas urgente pra reitor e presidente e saímos com a lagarta das diretas até a sede do MEC na voluntários da pátria

Professor Kico CEBRAPAZ-PR disse...

E, chegamos a entrar algumas vezes no MEC. Sobre as Diretas, foi uma luta UNITÁRIA.
Precisamos de refazê-las para este momento. Abraços Dodô e Rubens.

Professor Kico CEBRAPAZ-PR disse...

Lembro do segundo turno das últimas eleições presidencias um candidato dito progressista que não passou para o segundo turno, foi para a França.

Isto é muito semelhante a se alijar do processo de escolha do reitor, esquecendo que para enfretar os ataques diretos às IES públicas feitos pela milícia bolsonarista os setores progressistas da UFPR precisam estar unidos no Bom Combate.

Isto seguir a Tradiçãa, lembrando o exemplo do Professor Lamartine do Movimento dos Professores. Assim é enfrentar os Inimigos da Educação e da Universidade...e, não ir para França.