Por Antonio Lassance, no site Carta Maior
A direita está possessa e em pé de guerra contra a Política Nacional de Participação Social.
Para não dar o braço a torcer, não a chama por esse nome. Chama pelo apelido burocrático de Decreto 8.243, tendo em vista que a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS) foram instituídos por este ato oficial, de 23 de maio de 2014.
A Política simplesmente determina que os órgãos públicos do Governo Federal tenham canais de participação para discutir e definir as políticas públicas; ouvir e responder críticas; manter o cidadão próximo da atividade governamental.
A política já existe faz tempo. O referido decreto só generaliza esses instrumentos que já estão à disposição.
A ideia de Estado democrático de Direito e de governo representativo é a de que os representantes são eleitos para fazerem o que os representados querem.
Para saber o que querem, é preciso que as pessoas sejam permanentemente consultadas, na medida do possível.
Toda a filosofia política democrática, desde os século XVIII (Rousseau) e XIX (Tocqueville, Stuart Mill) se assenta sobre essa ideia fundamental, tantas vezes considerada utópica e até ingênua.
Hoje em dia, com as novas tecnologias da informação e da comunicação, consultar é cada vez mais fácil, mais banal. Os governos, os parlamentos e o Judiciário só não o fazem se não quiserem.
Os governos já têm inúmeros conselhos, ouvidorias, conferências, audiências públicas.
A Câmara dos Deputados tem uma Comissão de Legislação Participativa. O Senado tem uma Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa.
O Congresso Nacional tem um Conselho de Comunicação Social com representantes da "sociedade civil".
Mas, nas mãos de uma direita que prefere as tripas aos corações, "sociedade civil" tornou-se palavrão.
Para essa direita engasgada com a derrota em sucessivas eleições, a sociedade civil que não é de direita é sociedade servil.
É preciso estar com a cabeça muito envenenada para achar que a PNPS e o SNPS têm algo de fantasmagórico.
É preciso até uma deliberada perversidade para ver perversidade em um decreto que regulamenta e torna regra preceitos que estão na Constituição, como a participação popular e o controle social.
O detalhe que faz toda a diferença é que o Decreto é assinado por Dilma Rousseff.
Mesmo presidenta, Dilma não teria o direito de baixar um decreto que diz aos órgãos do Governo Federal como eles devem funcionar.
Mesmo tendo sido eleita para chefiar o Poder Executivo, Dilma não pode fazer nada que não esteja na lista de supermercado do neoliberalismo.
Mesmo tendo o direito de concorrer à reeleição estando em pleno exercício do cargo, ela não pode se meter a governar.
Para a direita, o fato de Dilma ter sido eleita é apenas um detalhe, pois democracia é quando um presidente governa pedindo licença a uma minoria arrogante e autoritária.
Se Dilma baixar um decreto dizendo que rosas são vermelhas e violetas são azuis, será acusada de conclamar uma revolução, pela analogia floral à Revolução dos Cravos; de fazer apologia ao comunismo, por enaltecer o vermelho; e de mentir à população, pois violetas não são azuis - são, obviamente, roxas.
Para a direita, conselhos sociais e deliberativos são para quem pode, e não pra quem quer.
As grandes empresas têm conselhos, e são deliberativos. Já o Governo não pode chamar seu maior acionista: o povo.
Para alguns, os grandes acionistas de uma democracia são os financiadores de campanha.
A direita participa de conselhos governamentais pelo menos desde 1931, no Conselho Nacional do Café.
Os cafeicultores podiam aconselhar o Estado a financiar, com dinheiro público, o negócio dos próprios cafeicultores.
A direita não teve qualquer receio de participar do Conselho do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), responsável pela censura aos jornais, durante a ditadura do Estado Novo, mas acham um perigo ter conselhos em plena democracia.
Os direitistas amaldiçoam Hugo Chávez e Simón Bolívar, mas amam o defunto Carlos Lacerda, o corvo do golpismo. Abominam o bolivarianismo, mas se inspiram no lacerdismo, essa obstinação em derrubar governos eleitos e em desmoralizar adversários tratando-os como párias.
A direita que segue tal "exemplo" deveria lavar a boca com sabão antes de pronunciar a palavra "democracia". Quando fala em facismo, precisa se conter para não elevar o braço, involuntariamente, para a saudação romana. Os que se insurgem contra o decreto são tão cheios de razão que precisam usar de mentiras para criticá-lo. Precisam suplementar, com seu raciocínio, artigos que não existem.
A política de participação social, instituída no Brasil, não tem nada de bolivariana, mas a oposição contra ela tem tudo da estupidez típica da oposição venezuelana.
A direita brasileira conseguiu trazer da Venezuela justamente aquilo que lá existe de pior.
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