Porque o bolsonarismo não respira sem eles.
Leandro Demori - Site The Intercept Brasil (TIB)
Quem mora no Rio de Janeiro já deve ter visto a imagem acima pichada em algum muro, pilastra ou viaduto. Não é de hoje que ela se espalha pela cidade. O que aconteceu no STF esta semana me fez lembrar dela. A briga por manter igrejas abertas durante a pandemia tem muito a ver com isso, talvez de modo mais preocupante do que vocês estejam pensando.
"Bíblia SIM
Constituição NÃO"
O que se viu: Bolsonaro usando seu nanoministro Kássio Nunes Marques – e também os obedientes advogado-geral da União, André Mendonça, e o procurador-geral da República, Augusto Aras – para agradar a católicos & evangélicos. Mesmo que tenha perdido a votação ("Por 9 a 2, STF decide que estados e municípios podem restringir cultos e missas na pandemia"), o bolsonarismo enfrentou a questão em praça pública em nome de fiéis e dizimistas. Uma vitória na derrota. Mas essa briga tinha também outra plateia.
Não são os felicianos ou malafaias – clássicos adesistas das tetas do governo de turno – que mais importam aqui. É de gente bem pior que estou falando. Gente que lá atrás, muito antes de Bolsonaro pensar em disputar a Presidência, já era parte de sua base fiel por ver ali, naquele deputado, alguém capaz de defender a história indefensável. O circo no STF serviu para manter pessoas perigosas coladas no bolsonarismo.
O pedido foi feito pela Associação Nacional de Juristas Evangélicos, um grupo comandado por calvinistas que está tomando o governo por dentro e sem alarde. A diferença principal dos evangélicos calvinistas para os demais é sua compreensão de que o cristianismo deve reivindicar a hegemonia cultural. Um cristianismo supremacista, implacável contra o “esquerdismo”, o “liberalismo teológico” e o “comunismo".
Fazendo buscas no site da Anajure, me deparei com um post descuidado. A entidade defendeu publicamente um grupo de pessoas fazendo um gesto imortalizado pelos nazistas. O detalhe é que ninguém sequer falou em Anajure no post em que se denunciou o ato. Ninguém chamou a Anajure para essa conversa. Qual o objetivo de atravessar a rua e escorregar em uma casca de banana que não é sua? Corre-se o risco de parecer que a entidade quer naturalizar a saudação na sociedade. A Anajure deveria ter mais cuidado.
Porque, como bem disse Michel Gherman, o bolsonarismo só ganhou corpo quando estendeu a mão para uma parte extremamente podre da nossa sociedade. Bolsonaro e seu movimento não podem perder essa gente, sobretudo agora quando sua popularidade cai e a gestão assassina da pandemia é um fato inegável. Sem a base, eles não são nada. E grupos nazistas e fascistas são a verdadeira base de Bolsonaro.
Eles já estavam defendendo sem vergonha o então deputado em 2011(!), quando sequer se imaginava que Jair teria alguma intenção de concorrer à Presidência. Na foto abaixo, enquanto um homem veste a camiseta de um Bolsonaro com sorriso de família aos domingos, outro ostenta o logotipo do Kombat Rac (combate racial), um grupo fascista.
Um ano depois, Bolsonaro falou das qualidades de Hitler ao CQC. Estava acariciando o grupo aí de cima. Foi lá, em rede nacional, que o Brasil viu um homem público com chances eleitorais capaz de dizer – como diria mais tarde – que o holocausto pode ser perdoado. Os supremacistas tinham, enfim, seu candidato.
Ao dar vazão, em pleno Supremo, ao ideário de “Bíblia SIM, Constituição NÃO”, o bolsonarismo acena mais uma vez às seitas que formam seu néctar. As pichações no Rio são feitas pelos membros da congregação Geração Jesus Cristo, um grupo religioso que promove agitação política muito parecida com as que se viu pré-golpe de 64. Entre seus atos, estão a publicação de vídeos nos quais seus membros se vangloriam por destruírem imagens de um centro espírita e, claro, clamar por um novo holocausto. Bolsonaro não pode arriscar perder essa base. Não agora, quando está cada vez mais enfraquecido.
Falar sobre inspirações nazistas e fascistas na política virou lugar-comum nas democracias. Muitas vezes, os gritos são hipérboles que enfraquecem a própria ideia do terror. Não é disso que se trata agora. O atual governo é, sim, inspirado e suportado por supremacistas. É essa base, em última instância, que ficará ao lado de Bolsonaro nos dias que virão – seja para salvá-lo de um impeachment, seja para tacar fogo no país.
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