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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

A metamorfose de Luísa

Ela esticou as doze patinhas e comemorou: “Finalmente de novo a luz do sol!” Estava livre do frasco de vidro que lhe servia de terrário, onde, embora seu sempre atencioso tutor lhe assegurasse a refeição de mosquinhas, ela não tinha liberdade para andar pelo apartamento, nem fora do prédio, nem na cidade.

Sim, ela era uma aranha, e excepcional, pois, ao invés de oito patas como os demais espécimes de seu gênero, Luísa tinha quatro a mais, o que às vezes causava embaralhamentos para se deslocar.

Numa manhã de verão, Luísa foi libertada sobre a calçada da rua Nilo Cairo. Sentiu o vento afagar seus sensíveis pelinhos e, sobressaltada, conhecendo as ratazanas dos esgotos próximos, logo foi buscar refúgio. Achou uma fresta em garagem ali perto e, súbita e estranhamente, sentiu-se mais forte. Capturou uma imensa mosca, que tinha uma cabeça assemelhada ao rosto de um ser humano. Mas ela não tinha exata certeza disso pois seu oito olhinhos eram tão eficientes quanto os de uma pessoa com cataratas. E ter oito cataratas de fato não ajudavam muito a distinguir entre um político de extrema-direita e um padre da ala progressista.

A pitoresca mosca, dissolvida por enzimas aracnídicas e freneticamente sugada até a última gota, fez Luísa dormir feliz na garagem, sem ser importunada pelo ruído dos carros nem dos bêbados e viciados do Terminal Guadalupe.

Acordou na manhã seguinte sentindo que algo mudara extraordinariamente seu corpo enquanto dormia. Suas doze patas se haviam convertido em duas pernas e dois braços humanos, seus oito olhinhos estavam resumidos a dois, mas pelo menos ela já não enxergava só vultos e sombras, mas claramente. Olhou para si própria e se viu convertida numa mulher. Oh, deus das aranhas, como? E totalmente nua, pela primeira vez sentindo vergonha de não ter roupas. Oh, deus dos aracnídeos, que fizeste comigo? “Eli, Eli, lamá sabactani?”

O mecânico da garagem a encontrou assim, recolhendo as pernas e cobrindo os seios com os novos braços. Ele ficou surpreso, mas ofereceu ajuda, correu até o depósito e lhe deu um macacão para se cobrir.

Só aí Luísa se descobriu como mulher e proclamou ao mundo: “Eu sou uma aranha chamada Luísa”. Desde então, protegeu as criaturinhas frágeis de seu gênero e espécie. E saiu pelo mundo, girando enigmaticamente os olhos de quem sabe discernir um homem de um inseto.

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