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segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Até mais, até logo, professor Dante


Até desde antes de meu amigo reeleito reitor, Ricardo Marcelo, eu, militante velho da mais antiga Universidade do país, já perturbava esta comunidade com escritos e outras manifestações.  Já escrevi demais sobre democracia e autonomia universitárias.  Sinto cansaço, embora não desistência.  

Aproveito, então, para republicar artigo de meu dileto amigo da Filosofia, professor Emmanuel Appel, e colaboradores, que o lançou na Gazeta do Povo de 17/10/2004, pouco depois de perdermos a altaneira figura de Dante Romanó Jr., meu professor de Angiologia, vice-reitor ao lado de outro eminente mestre, o professor Salamuni.  Aqui vai, Riad, Dante, Carlos Antunes. E então espero que o professor e a professora que disputaram a Reitoria da UFPR pela Chapa 1 inspirem-se em Dante como exemplo ético.


ATÉ MAIS, ATÉ LOGO, PROFESSOR DANTE

Emmanuel Appel, Fábio Muniz, Pedro Costa Neto - Gazeta do Povo * 17/10/2004

Antes de tudo, Dante Romanó Júnior (1929-2004) tinha estatura.  Sua vida foi uma crescente inquietação.  Sempre exigiu mais, sobretudo de si mesmo, construindo-se como um homem ético.   De família conservadora, aluno do tradicional Colégio Santa Maria, membro da Juventude Universitária Católica, formou-se em Medicina e trabalhou como professor na UFPR.  Aí, no Hospital de Clínicas, o contato diário com o sofrimento e a miséria (dadas as condições de vida da maioria dos pacientes e as reiteradas restrições impostas à saúde pública) amplia sua consciência social.  O golpe de 1964 e a repressão política que se segue, atingindo também amigos e alunos, radicalizavam ainda mais seu espírito.  Num período e contexto local muito mais de anátema do que de diálogo, seu humanismo cristão assume valores dos ideários republicano e socialista, implicando - senão a escolha de um novo caminho - a corajosa postura de resistência.  Nos anos mais sombrios da ditadura militar, Dante emprestou solidariedade, deu abrigo e ajudou na fuga de perseguidos políticos.

A sua candidatura à Reitoria da UFPR, em 1985, foi consequência do seu engajamento na organização do movimento docente.  No início do primeiro semestre de 1977, apesar do medo e isolamento impostos à Universidade, alguns colegas, entre camaradas e futuros companheiros, passaram a discutir como organizar os professores tendo por objetivo uma oposição democrática.  Dante estava entre eles e dois anos depois participava da chapa "Universidade Necessária", que disputava, em memorável embate eleitoral, o comando da Associação dos Professores, o que representou um dos momentos de maior ousadia de sua presença cívica.  O seu compromisso com a Universidade pública e democrática pode ser colhido em suas próprias palavras:

"No cartaz de minha campanha [a reitor, em 1985], quando retirei duas colunas do prédio histórico, não foi somente para escancarar as portas de entrada da Universidade, mesmo porque, por tais portas, entrariam preferentemente os filhos da burguesia.  Tenho consciência de que é necessário proceder de forma a que os jovens das camadas populares se encontrem em circunstâncias iguais aos da camada privilegiada, eliminando-se as barreiras econômicas e sociais que impedem seu acesso à Universidade.  É função do Estado garantir esse objetivo, assumindo os custos sociais necessários para anular as discriminações de ordem socioeconômica na realização do curso universitário."

Dante (bem como os estudantes, que em grande número o apoiaram) tinha, assim, a esperança de que o testemunho dos filhos das camadas populares poderia contribuir para mudar o perfil da universidade pública: com as perspectivas e exigências de classe, sem prejuízo da autonomia universitária, influenciariam em seus rumos e pesquisas, tornando a universidade essencial, ao mesmo tempo, para o desenvolvimento do país e para a consolidação da democracia.

Seu compromisso social e sua generosidade manifestam-se igualmente no exercício da medicina e na sua intransigente defesa do Sistema Único de Saúde.  Para Dante, a saúde não se ordena pelas regras do mercado.  A evidência de que a saúde está condicionada pela dimensão do social,, de que os mais altos indicadores de saúde foram conquistados pelas sociedades de maior equidade ("melhor saúde individual onde há melhor bem-estar coletivo", uma de suas premissas)  o levou a participar ativamente das discussões que criaram o programa "Saúde na Família" em Curitiba.  Os canadenses que aqui vieram para ajudar na instituição do "Médico de Família" foram convencidos de que o programa deveria ser ampliado para Saúde na Família.  Dante, com a grandeza da simplicidade, disse-lhes que o médico, apesar da sua evidente importância, não deveria ser senão ator coadjuvante.

Sua vida foi igualmente permeada por uma constante curiosidade intelectual, que se manifestava em traduções de escritos de medicina social, a exemplo dos de Karl Rudolf Virchow, leitor do jovem Engels, "para demonstrar as relações entre pobreza e doença". Também releituras de Guimaraes Rosa, médico educador, "nosso aprend iz do real na travessia".  Graciliano Ramos - mestre do romance social "e da passagem pela escola pública como obrigatória à cidadania".  Visitava ainda Oscar Wilde, "blagueur insuperável", e também autores mais recentes, como Noam Chomsky, ativista do Forum Social Mundial.  

Dante estimulou projetos de caráter socioambiental (em Guaraqueçaba, que tanto gostava de visitar) e interessava-se por botânica, preocupando-se com a preservação da Mata Atlântica.  De sua sua experiência de bolsista em Angiologia (a disciplina que lecionava no curso de Medicina da UFPR) na Argentina (em Rosario) e na Suécia, derivou sua preocupação em propor adequada recepção aos estudantes estrangeiros em Curitiba - bem sabia o significado da hospitalidade e do cosmopolitismo.

Até pouco antes da doença que o abateu, Dante não descuidava dos hábitos físicos, vindos desde os tempos de estudante, quando obteve marcas nacionais na corrida com bastão e em corridas de longo percurso.  Culturalmente, Dante era um garimpeiro, descobria preciosidades, esboçava pistas de trabalho.

O poeta russo Sierguei Iessenin deixa-nos versos para jamais esquecermos de nosso valente professor vice-reitor:

"Até logo, até logo, companheiro,
Guardo-te no meu peito e te asseguro:
O nosso afastamento passageiro
É sinal de um encontro no futuro.
Adeus, amigo, sem mãos nem palavras.
Não faças um sobrolho pensativo.
Se morrer, nesta vida, não é novo,
Tampouco há novidade em estar vivo."


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Esta publicação foi em parte encurtada e editada, mas seu conteúdo corresponde ao espírito dos autores, dedicado à memória desse grande professor da UFPR, cuja morte foi imensamente lamentada por este autor, velando-o no prédio da Reitoria da UFPR.

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