O Ministro Barroso, do STF, atende organizações da saúde-mercadoria. Decisão desrespeita categoria que se mostrou ainda mais essencial na pandemia e desconsidera existência de fontes de recursos para garantir pagamento.
Coluna Outra Saúde, do site Outras Palavras - 05/09/2022
Exatamente um mês após sua sanção, a lei que estabeleceu o piso salarial da Enfermagem foi suspensa pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF). No domingo (4/8), o ministro atendeu pedido da Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), que atende aos interesses da saúde privada, e determinou que é preciso que sejam enviadas informações do impacto financeiro e os riscos de demissões diante da implementação da lei em até 60 dias. Nos próximos dias, os demais ministros do STF avaliarão a decisão em plenário virtual.
Hoje, 5/9, seria o dia em que o novo salário começaria a ser pago à categoria. Enfermeiros receberiam o piso de R$ 4.750; técnicos, R$ 3.325; auxiliares e parteiras, R$ 2.375. Esses trabalhadores foram os mais sobrecarregados durante a pandemia, e sua valorização é vista também como reconhecimento pelo esforço e salvamento de vidas. O tema tem sido pauta frequente no Outra Saúde. “Tudo faremos para que o piso seja efetivado o mais rapidamente possível, porque isso é justiça para os trabalhadores e trabalhadoras dessa categoria”, afirmou Fernando Pigatto, presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
Decisão contenta partidários da saúde-mercadoria
Os hospitais privados queixavam-se do piso da enfermagem, ameaçavam demissões em massa, diminuição de leitos e até aumento nos planos de saúde. Moveram, por meio da CNSaúde, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. Ela foi apoiada, como não poderia deixar de ser, pelo ministro da Economia Paulo Guedes. Os hospitais filantrópicos, que já andam mal das pernas, deram apoio à derrubada da lei por não terem como financiar o aumento de salários.
“Ocorre que todos os estudos de impactos orçamentários foram devidamente apresentados e debatidos com todos os entes da União, Estados e Municípios, de maneira plural e transparente junto ao Congresso Nacional”, escreveu o Conselho Federal de Enfermagem em nota oficial, “com análise técnica do Sistema Cofen/Conselhos Regionais, sendo considerado viável a aprovação do Piso Salarial e sua implementação no sistema de saúde público e privado, obtendo assim a sanção presidencial para seu pleno vigor.”
Não falta dinheiro
Na semana passada, Outra Saúde conversou com o ex-ministro e deputado federal Alexandre Padilha. “Provamos que o impacto econômico não ultrapassa 3% do que é investido no sistema público de saúde e não vai além de 2,5% do faturado pelos planos de saúde. O piso precisa abrir a discussão sobre a ampliação do financiamento do SUS e a redução da carga tributária de atividades que geram emprego, como a saúde”. Solange Caetano, do Fórum Nacional da Enfermagem, complementou: “Temos casos de enfermeiros concursados em diversas partes do país que recebem R$ 1.500. O sistema de saúde tem nos profissionais de enfermagem sua base de sustentação. São a única categoria que de fato fica 24 horas por dia a cuidar das pessoas”.
O Fórum da Enfermagem destaca que estão na mesa diversas alternativas para o custeio do piso, assim como do próprio aumento do financiamento da saúde. Ela cita o PL 442/91, que regulamenta jogos de azar no Brasil; o PLP 205/21, sobre a desoneração de folha de pagamento de empresas do setor de saúde; o PL 840/22, que versa sobre aumento dos royalties da mineração; o PL 2337/21, que tributa lucros e dividendos e faz parte do debate sobre a reforma do Imposto de Renda; o PL 1241/2022, que prevê utilização de royalties do petróleo. Por fim, o uso de fundos da União previstos no orçamento de 2022. Padilha, por sua vez, revisita velhos embates políticos e de classe ao dizer que “o Brasil precisa de uma reforma tributária justa que reduza impostos aos mais pobres e incentive quem gera emprego ou queira investir em setores que geram emprego”.
O Fórum Nacional da Enfermagem reafirmou o compromisso com a luta. “Nós somos mais de 2 milhões de trabalhadores que são o alicerce da saúde pública e privada do Brasil”, afirmou representante do movimento. “Mais de 30 anos de luta, a gente conseguiu uma lei, e o STF, a pedido da rede privada, suspende seus efeitos. É desesperador”, complementou, “se for necessária paralisação e greve, assim será”.
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