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sexta-feira, 9 de setembro de 2022

O curioso buraco em minha cabeça

Nascida sem meu lobo temporal esquerdo, uma região cerebral considerada crítica para a linguagem, tenho sido objeto de pesquisa por boa parte de minha vida

Por Helen Santoro(*) - 04/09/2022

Eu fui jogada ao mundo – um nascimento prematuro, disseram os médicos – em um hospital de New York, na calada da noite.

Em minhas primeiras horas de vida, após seis ocasiões de parada de respiração, os médicos me levaram às pressas para a UTI neonatal. Um residente colocou seu dedo mindinho em minha boca para testar o reflexo de sucção do recém-nato. Não suguei com a força esperada. Então colocaram meu corpinho rosado de 3,5 kg no escaneamento cerebral.

Havia um grande buraco do lado esquerdo, logo acima de minha orelha. Faltava-me o lobo cerebral temporal esquerdo, região envolvida com ampla variedade de comportamentos, da memória ao reconhecimento de emoções, e sendo considerado crucial para a linguagem.

Minha mãe, exaurida pelo trabalho de parto, lembrando-se de que ao alvorecer tinha consigo um neurologista, um pediatra e parteira de pé ao lado do leito. Explicaram que meu cérebro havia sangrado dentro do útero dela, uma situação chamada ‘derrame’ perinatal.

Disseram a ela que eu jamais falaria e precisaria ficar internada. O neurologista levou os braços dela ao peito, contorceu os pulsos para ilustrar a incapacidade física que eu provavelmente desenvolveria.

Naqueles primeiros dias de vida, meus pais torceram as mãos se perguntando o que minha vida, e a deles, poderia ser. Ansiosos por respostas, alistaram-me em um projeto de pesquisa da Universidade de New York avaliando os efeitos sobre o desenvolvimento devido a derrames perinatais.

No entanto, mês após mês, surpreendi os especialistas, atingindo todos os marcos típicos de crianças da minha idade. Fui matriculado em escolas normais, e fui muito bem nos esportes e na academia. As habilidades de linguagem com que mais tinham se preocupado os médicos quando do meu nascimento – falar, ler, escrever – tornaram-se minhas paixões profissionais.

Meu caso é altamente fora do usual, mas não é único. Os cientistas estimam que milhares de pessoas estão, como eu, tendo vidas normais a despeito de lhes faltar grandes porções do cérebro. Nossas miríades de redes neuronais arranjaram para reconectarem-se ao longo do tempo. Mas, como?
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Um hemisfério crítico

Por mais de um século, o hemisfério esquerdo do cérebro foi considerado o centro da produção e compreensão da linguagem

Esta ideia foi primeiramente proposta em 1836 pelo Dr. Marc Dax, um médico que observou que pacientes com lesões do lado esquerdo do cérebro não mais poderiam falar apropriadamente. Vinte anos mais tarde, o Dr. Pierre Paul Broca observou um jovem que tinha perdido a capacidade de falar e só conseguia pronunciar apenas uma sílaba: “Tan”. Uma biópsia cerebral após a morte dessa pessoa revelou uma grande lesão na parte frontal do hemisfério esquerdo, hoje conhecida como área de Broca.

No começo da década de 1870, o Dr. Carl Wernicke, neurologista, observou diversos pacientes que podiam falar fluentemente, mas suas declarações faziam pouco sentido. Um destes pacientes teve um derrame na parte posterior do lobo temporal esquerdo dela, e o Dr. Wernicke concluiu que esta seção do cérebro – hoje chamada área de Wernicke – deveria servir como um segundo centro da linguagem, junto com a área de Broca.

Modernos estudos de imagem do cérebro posteriormente expandiram nossa compreensão da linguagem. Muitos desses trabalhos mostraram que duas regiões cerebrais – os lados esquerdos dos lobos temporais e frontais – ativam-se quando uma pessoa está lendo ou ouvindo palavras. Alguns pesquisadores tem chamado isto de “rede de linguagem”.

Mas outros neurocientistas tem argumentado que o processamento da linguagem é ainda mais amplo e não confinado a regiões específicas do cérebro.

“Acredito que a linguagem no cérebro está distribuída através dele todo”, diz Jeremy Skipper, chefe do Laboratório de Linguagem, Ação e Cérebro da Universidade de Londres.

Estudos demonstraram que as palavras escritas podem ativar a parte do cérebro associada com o significado da palavra. Por exemplo, a palavra “telefone” ativa uma área relacionada com a audição. “Chute” dispara uma região ligada com movimentos das pernas e “alho” ativa uma parte que processa os cheiros.

As áreas cerebrais tradicionalmente atribuídas à linguagem tem muitas outras funções, diz Dr. Skipper. “Depende de com quais outras seções do cérebro se está dialogando, e a que tempo e em qual contexto.”

[Artigo completo - em inglês - aqui]
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Fonte: New York Times, via Science/Nature

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