Fins de julho * 2024
Um imenso quintal no centro de Paranaguá. Povoado por mato, claro, mas com muitas árvores frutíferas. Graças à faina agricultural da matriarca da família dona da propriedade, plantando essas árvores e hortas, criando galinhas, patos, marrecos. E, junto, uma vastidão de insetos, morcegos, passarinhos, aranhas, cobras, sapos.
No extremo desse quintal levantava-se colossal abacateiro, de uns 40 metros, um arranha-céu de árvore. A folha mais ao topo dele orgulhava-se por ser a mais próxima do céu azulíssimo da cidade. E o responsável por essa grandeza, acima de todas as demais árvores menores do quintal, também gabava-se de, em todos os verões, produzir frutos volumosos, de riqueza paladar irrecusável.
Pelas tantas dos anos 70, um novo animal se achegou ao abacateiro. Um bicho humano, de pouco mais de um metro e quarenta, que olhou para aquela imponente expressão da Natureza e decidiu conhecer melhor seus galhos, folhas, recônditos. O abacateiro, impassível, aceitou aquela inédita excursão por seu interior. O bicho humano subiu até o topo da árvore, de onde se podia enxergar as muitas ruazinhas próximas, e o mais alto prédio da cidade da época, o “Palácio do Café”, sede de muitos escritórios comerciais da vida econômica do município.
Imaginoso, o tal bicho humano encontrou em casa um pedaço de madeira, que era um tampo de mesa de máquina de costura que a mãe dele não mais usava. A custo, escalou com o artefato o abacateiro e achou, a cerca de 10 metros do chão, um entrecruzamento acolhedor de galhos onde conseguiu encaixar firmemente aquela improvisada mesa, sem riscos de cair.
Desde então, todo dia, à tarde, o animal humano subia ao abacateiro até seu “escritório ecológico” encravado entre os fortes galhos. Ali fazia parte de suas lições escolares e lia os livros das estantes do pai dele. E passou a conversar com o abacateiro. Sobre si próprio e sobre as ideias de diversas leituras. Assim, o abacateiro passou a conhecer – além das lições escolares – Sartre, Voltaire, Graciliano, Rosa, Camus, Nietzsche e as aventuras dos mosqueteiros de Alexandre Dumas.
Aquela árvore nunca mais foi o mesmo ser plantado 30 anos antes de ser semi-habitado pelo tal animal humano. Tampouco este animal, que sou eu, depois de fazer amizade com uma maravilhosa criação da Natureza(*), meu amigo abacateiro.
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(*)Spinoza, sempre citando Deus, como muito em sua “Ética” (1677), na verdade considerava o ente divinal como sendo a Natureza toda, o Universo materialmente existente; por este materialismo pré-marxista foi muito execrado em sua Amsterdam do século 17. Assim, em meu quintal, e convivendo com caranguejos no litoral, conheci “Deus” mais do que em minhas aulas de catecismo católico na respeitável Diocese de Paranaguá.
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